
15 maio Abinee reúne governo e especialistas para debater regulação e estratégias de IA no setor de telecomunicações
O avanço da inteligência artificial (IA) no setor de telecomunicações e tecnologia da informação foi o centro do debate promovido pela Abinee, na quarta-feira (14), em São Paulo. Com o tema “Inteligência Artificial: Novas Tecnologias, Desafios e Oportunidades”, o encontro reuniu representantes do governo, especialistas e empresas para discutir o impacto das novas tecnologias e os caminhos para uma regulação eficiente e inclusiva.
Na abertura do evento, o presidente executivo da Abinee, Humberto Barbato, ressaltou o potencial da IA para transformar o setor, ampliar a competitividade e gerar benefícios para toda a economia digital. Ele também alertou para os riscos de uma regulação excessivamente rígida, que pode desestimular investimentos e travar a inovação.
“O Brasil tem a chance de construir uma regulação moderna, capaz de unir proteção e progresso, e se posicionar estrategicamente no cenário global da inteligência artificial”, afirmou Barbato. Para ele, é urgente adotar um modelo baseado na gestão de risco, com exigências proporcionais e reconhecimento das boas práticas do setor.
A programação contou com mediação da diretora do Grupo de Trabalho de Inteligência Artificial e Segurança Cibernética da Abinee e membro do CNPD, Ana Paula Bialer, que conduziu os painéis com foco nos impactos, estratégias e regulação da IA no país. O evento também contou com a participação do diretor da Área de Telecomunicações da Abinee, Wilson Cardoso.
Impactos e escolhas regulatórias
O primeiro painel foi apresentado por Fabro Steibel, diretor executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio) e ex-membro do CNPD. Ele destacou três impactos esperados pelo Projeto de Lei em tramitação: desenvolvimento seguro, mercados equilibrados e soberania nacional. No entanto, alertou para os riscos de o Brasil acabar com um mercado frágil e concentrado, caso a regulação favoreça apenas grandes empresas de tecnologia. “O ecossistema de IA já é muito maior do que somente as big techs”, frisou.
Steibel também abordou os dilemas que a regulação precisa enfrentar, como a escolha entre proteger ou inovar, regular o uso ou a tecnologia, e cobrir tudo de uma vez ou por etapas. Segundo ele, o Projeto de Lei 2338/2023, aprovado no Senado e em tramitação na Câmara dos Deputados, opta por uma regulação mais ilustrativa do que taxativa. Também afirmou que o Brasil não deve copiar modelos europeu, americano ou chinês, mas criar um ambiente favorável à inovação com responsabilidade. “A IA aberta é o caminho”.
Ações do governo e perspectivas no Congresso Nacional
O evento também contou com a participação do secretário de Políticas Digitais da Secom/PR, João Brant, que abordou as articulações e diretrizes em curso no Executivo e no Legislativo para a regulamentação da IA no Brasil. Segundo ele, o ritmo de desenvolvimento da Inteligência Artificial ocorre de forma hiper acelerada com enormes impactos econômicos, políticos, sociais e culturais. “Diante das incertezas e constante evolução, o PL deve ser tratado com mais cautela do que aceleracionismo. A legislação talvez consiga ser 78% a prova de futuro.” Brant destacou também que a discussão do marco legal não pode ser desvinculada das políticas públicas de investimentos, como o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) e o plano de Data Centers. “Não podemos jogar todas as fichas na regulação”. Na visão do governo, o objetivo é desenvolver a indústria nacional do ponto de vista doméstico e internacional. “Queremos aproveitar ao máximo as oportunidades e limitar os riscos ao mínimo”. Nesse sentido, garantiu que o setor industrial será ouvido na Comissão da Câmara dos Deputados que analisará o tema.
Outro aspecto mencionado é que o texto do PL dá poder aos reguladores setoriais, com a figura do regulador central como harmonizador das diretrizes a serem observadas.
Visão da agência reguladora
O papel das agências reguladoras foi tratado pelo presidente da Anatel, Carlos Baigorri. Segundo ele, a atuação das agências reguladoras, em conjunto com o órgão regulador central, será definida no dia a dia e dependerá da condução e maturidade dos agentes.
Endossando a visão apresentada pelo secretário de Políticas Digitais da Secom, Baigorri afirmou que a regulação não pode ser a panaceia que vai resolver todos os problemas. “As políticas públicas, como o PBIA e o Plano de Data Centers é que definirão efetivamente o desenvolvimento da IA e o que será regulado. Assim todas as peças se encaixam”.
Ele também observou a necessidade de um marco que não crie custos elevados que impeçam a entrada de empresas, principalmente startups nesse mercado.
“Um fator preponderante é a segurança jurídica, pois isso é o que atrai investimentos. O nível de exigências pode ser um ponto crítico. Por isso, é preciso modular os riscos de forma a fomentar a inovação”. Baigorri ressaltou ainda que as regras que estarão no marco regulatório serão cumpridas diante de punições claras e efetivas.
Estratégia nacional para a IA
Em sua apresentação, o secretário de Ciência e Tecnologia para Transformação Digital do MCTI, Henrique Miguel, apresentou uma visão detalhada do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial 2024–2028, destacando seu caráter transversal, impacto social e importância estratégica.
Segundo ele, o plano foi impulsionado diretamente por um desafio lançado pelo presidente da República ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, resultando em um documento que articula 54 ações estruturantes e 31 ações de impacto imediato, envolvendo governo, academia e setor privado.
Miguel destacou o papel do Brasil como país com potencial de protagonismo global em IA, mas alertou: “Ou vamos apenas nos conformar em ser usuários ou vamos correr atrás e desenvolver nossas próprias soluções”. O plano prevê a criação de um supercomputador nacional, desenvolvimento de modelos de linguagem em português com dados locais, formação de talentos desde o ensino fundamental e uma infraestrutura soberana de nuvem e data centers, com foco em energia renovável.
Entre os riscos levantados, o secretário mencionou a concentração de tecnologias nas mãos de poucas big techs, o perigo de exclusão digital — já perceptível nos dados de acesso às plataformas de IA —, e a necessidade de desenvolver normas e certificações próprias, pois “não dá para depender apenas de instâncias internacionais como a ITU, que não conseguem harmonizar todos os padrões”.
Miguel também frisou que o Plano de IA não compete com as LLMs globais, mas busca garantir soberania linguística e cultural, com treinamentos que respeitem a diversidade brasileira. “Não adianta uma IA que não compreenda nossas gírias, nossas realidades, nosso jeito de falar”, destacou.
A fala foi encerrada com uma convocação à ambição: “As empresas brasileiras terão que incorporar IA em seus produtos para competir no mercado global. Isso exige mais do que saber consultar um chatbot — exige domínio da tecnologia.”
O encontro foi encerrado com um debate conduzido por Ana Paula Bialer, que reuniu os principais pontos abordados nas apresentações e promoveu reflexões sobre os próximos passos do setor diante dos desafios regulatórios, tecnológicos e sociais impostos pela IA.