Carta de Conjuntura

Carta de Conjuntura econômica produzida pelo diretor de economia da Abinee, com base em informações da Sondagem Conjuntural realizada mensalmente pelo Departamento de Economia junto às empresas associadas e, também, nos aspectos econômicos do país.

Fevereiro de 2023 - Alguns problemas do “novo arcabouço fiscal”


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Alguns problemas do “novo arcabouço fiscal”

Tão logo foi divulgado o “novo arcabouço fiscal” pelo governo, ficou claro o irrealismo das hipóteses que o fundamentam. Em linhas gerais, o governo pretende zerar o déficit primário do Governo Central já em 2024 e gerar superávits de 0,5% e 1% do PIB nos dois anos seguintes. Junto com a esperada redução da taxa de juro sobre a dívida pública, a relação entre a dívida bruta e o PIB seria estabilizada no ano final do governo. Várias observações devem ser feitas a respeito dessas metas.

A primeira pergunta é a seguinte: como será possível conciliar essas metas com a pretendida expansão real das despesas? A proposta é que as despesas primárias (em termos reais) cresçam entre 0,6% e 2,5% ao ano nos próximos quatro anos, dependendo do estado da economia. É uma versão invertida do ultrapassado conceito de política fiscal anticíclica: se a economia vai mal, as despesas aumentam menos, mas se a economia vai bem, as despesas aumentam mais. Mas as despesas nunca caem em termos reais. Fica claro, assim, que a única maneira de conciliar esse desejo por mais despesa com as metas fiscais é fazer a receita real crescer mais. Isso significa necessariamente um aumento robusto de carga tributária sobre o setor privado (um aumento dos impostos).

Uma previsão mais realista do que está por vir é apresentada no Quadro 1, sob a hipótese de que a receita líquida do Governo Central permaneça fixa em 18,7% do PIB, nível atingido em 2022, e que a despesa total, depois do salto do corrente ano, caia levemente nos anos seguintes. Assume-se ainda que o crescimento do PIB no período fique entre 1% e 2% ano.

Nesse cenário, a receita real teria que aumentar a partir do próximo ano até atingir algo em torno de 20% do PIB, nível inédito na história do país, para que as metas sejam cumpridas. Mesmo assim, a relação dívida-PIB não deve se estabilizar em 2026. O governo defende o novo arcabouço, alegando que aumenta a previsibilidade da política fiscal. Mas se a política fiscal é explosiva, uma maior previsibilidade só aumenta os riscos de uma ruptura fiscal no país mais cedo do que se espera, pois os agentes privados anteciparão essa tendencia explosiva.

Do ponto de vista político, duas visões de mundo estão em questão aqui. Desde o governo Temer, prevaleceu o objetivo de conter o avanço do estado e gradualmente reduzir seu peso sobre o setor privado. O “teto de gastos”, ao fixar a taxa de inflação como limite para o aumento das despesas, proporcionaria um declínio na participação do estado na economia na medida em que o PIB crescesse ao longo dos anos. Como benefício adicional, a menor pressão das despesas viabilizaria uma reforma tributária mais ampla, tão necessária para o crescimento econômico. Esta era a visão liberal, segundo a qual é o setor privado que, num clima de liberdade e estabilidade, gera crescimento sustentado. Isso contrasta com a visão socialista do atual governo, segundo a qual o estado é o grande promotor do desenvolvimento e da distribuição de renda. Portanto, quanto mais estado e quanto mais dirigista ele for, melhor será para o país. Na verdade, o novo arcabouço fiscal foi um difícil compromisso com a ala mais radical do governo, que desejaria uma expansão ainda maior das despesas e maior ativismo estatal.

O ceticismo e a suspeita com que a política fiscal proposta foi recebida sugerem que o governo terá grande dificuldade para convencer o Congresso Nacional a aprová-la do jeito que está. O Congresso anterior já deu uma carta branca ao governo para gastar no fim do ano passado ao aprovar a “lei fura-teto”. É provável que o novo Congresso não esteja disposto a conceder mais uma carta branca não só para gastar, mas agora também para aumentar a carga tributária.


Celso Luiz Martone - diretor da área de Economia da Abinee

Janeiro de 2023 - O desempenho da indústria em 2022


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O desempenho da indústria em 2022

Em 2022, o produto da indústria de transformação caiu 0,4%, contra um crescimento do PIB estimado em 3,1%. Como fator atenuante para esta disparidade, devemos lembrar que a expansão do PIB no ano passado deveu-se totalmente ao excepcional crescimento de 4,1% do setor de serviços, que representa cerca de 70% do valor adicionado total, já que o setor agropecuário ficou praticamente estável. O final da pandemia e o retorno às atividades presenciais foi a razão determinante desse resultado, que não deve se repetir no corrente ano.

A causa principal da contração industrial, segundo o IBGE, tem sido o importante segmento de bens duráveis de consumo, como mostra o Gráfico 1. Este segmento tem-se mantido cerca de 20% abaixo do nível de produção de antes da pandemia. Isso contrasta com o segmento de bens de capital, que se mantém 13% acima do patamar de 2018-19, puxado pelo aumento dos investimentos nos últimos dois anos.

As prováveis explicações para o fraco desempenho dos bens duráveis são, de um lado, os problemas de suprimento de insumos que atingiram o setor e limitaram sua capacidade de produção e, de outro lado, a queda da renda real da população, resultante da elevada taxa de desemprego e da aceleração da inflação no período. A queda da taxa de desemprego e da taxa de inflação em 2022 ainda não produziu o efeito favorável esperado nesse segmento industrial.

Com base em dados elaborados pela CNI, a taxa de utilização da capacidade instalada na indústria vem caindo desde 2021, situando-se hoje abaixo de 80% (Gráfico 2). Já o número de horas trabalhadas, segundo a mesma fonte, vem subindo ligeiramente, o que não deixa de ser curioso (Gráfico 3). Se os dados estiverem corretos, provavelmente a discrepância se deve a alguma recomposição da produção de segmentos intensivos em capital para segmentos intensivos em mão-de-obra nesse período.

Neste início de ano, a expectativa é que a economia brasileira cresça abaixo de 1%. Na verdade, com a baixa taxa de investimento (ao redor de 19% do PIB) e a estagnação da produtividade agregada da economia, o potencial de crescimento do Brasil não passa de 1% ao ano em condições normais. Números acima e abaixo disso tem ocorrido em função de choques positivos e negativos que a economia tem sofrido ao longo do tempo. O último deles foi a pandemia do Coronavírus em 2020. Esses choques são, por definição, imprevisíveis. Mantida a tendência da última década, o setor industrial deve expandir pouco abaixo da expansão do PIB.

Nos seis últimos anos, houve um esforço para conter a expansão do setor público, tornando-o menos oneroso para a economia, a exemplo da chamada “lei do teto” de gastos. Ao mesmo tempo, reformas de caráter microeconômico foram introduzidas para aumentar a eficiência da economia, como as reformas trabalhista e previdenciária, as privatizações e as leis de liberdade econômica. No governo atual, não parece haver intenção de prosseguir neste caminho. Pelo contrário, já se aprovou uma emenda constitucional autorizando o governo a furar o teto de gastos, que deve ser substituído por algum mecanismo mais flexível ainda neste ano. De outro lado, o governo já se manifestou claramente contra qualquer nova privatização, assim como sua intenção de desfazer algumas mudanças introduzidas pelas novas leis trabalhista e previdenciária. Ou seja, há uma tentativa de “desconstrução” das políticas dos dois governos anteriores. É plausível supor que essa nova orientação não seja favorável ao aumento da capacidade de crescimento no futuro próximo.


Celso Luiz Martone - diretor da área de Economia da Abinee

Dezembro de 2022 - O fogo cerrado do governo contra o Banco Central


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O fogo cerrado do governo contra o Banco Central

Depois de conseguir do Congresso Nacional a aprovação da emenda “fura-teto”, que permitirá um aumento da ordem de 2% do PIB nos gastos deste ano, o governo volta suas baterias contra o Banco Central do Brasil, única “âncora” que ainda pode garantir certa estabilidade econômica. As críticas do governo são de duas ordens. Primeiro, não se aceita a independência do BC. Como pode uma autarquia federal ficar fora do controle político do poder executivo? O governo já obteve carta branca para gastar, agora deseja subordinar a política monetária a seus interesses. Durante o mandato da atual diretoria do BC (até 2024), é provável que o status quo seja mantido, pois dificilmente o Congresso acolheria uma emenda constitucional para revogar o estatuto da independência do banco. Mas o governo já prometeu voltar ao assunto mais adiante, quando estiverem para vencer os atuais mandatos. Então poderá indicar nomes de seu interesse para o banco.

É importante observar que essa ofensiva do governo ao Banco Central alimenta as incertezas sobre o futuro, já aumentadas pela expansão fiscal, leva a posições defensivas dos agentes econômicos e, em última instância, prejudica o investimento e o crescimento econômico. O governo está dando um tiro no próprio pé, mas parece não se aperceber disso.

Em segundo lugar, o governo tem criticado o regime de metas de inflação (instalado há 23 anos), as próprias metas fixadas pelo CMN e a política de taxas de juro que decorre delas. Isso não é novo. No governo Dilma, entre 2011 e 2016, a diretoria do BC, então nomeada pela presidente, abandonou o regime de metas de inflação para se acomodar à expansão fiscal do governo. A taxa de inflação subiu acima de 6% e atingiu o pico de 10,7% ao ano em 2015, no bojo da severa crise econômica que culminou com o impeachment da presidente em 2016. O retorno ao regime de metas no governo Temer gradualmente reduziu a inflação para a média de 3,9% ao ano entre 2017 e 2020.

Vale notar que atualmente a grande maioria dos países do mundo adotou o regime de metas de inflação, no contexto legal de bancos centrais independentes. Portanto, criticar o regime, sem indicar uma alternativa melhor, soa como um retrocesso em relação à tendência mundial.

Declarações do presidente também sugerem que a meta de 3% (com margem de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo) atualmente em vigor é baixa demais para a realidade brasileira e que se deveria buscar valores maiores. Como disse um economista ligado ao PT no governo Dilma: “se está difícil cumprir a meta, aumente a meta e está resolvido”. O argumento é que, se a meta fosse mais alta, a taxa de juro real poderia ser mais baixa. Este argumento não faz qualquer sentido econômico: o BC só determina a taxa nominal de juro e a economia determina a taxa real.

O Quadro 1 apresenta as taxas de inflação e as metas de inflação para uma pequena amostra de países. Como se vê, exceto pela Argentina, que está numa situação de calamidade, todos os demais países (inclusive os latino-americanos) fixaram a meta de inflação em 3%. EUA, Europa e Coréia do Sul a fixaram em 2%. Portanto, o Brasil está em boa companhia. Todos esses países (exceto a China) tem inflação bem acima da meta no momento e adotaram uma política gradualista para atingir a meta em 2024. É por isso que as taxas de juro nominais estão em alta em todo o mundo.

No momento, a inflação brasileira é prevista ao redor de 6% em 2023. Pode parecer fácil reduzi-la para valores mais baixos até o final do ano, mas há um problema complicado pela frente. No ano passado, a inflação total foi de 5,8%, mas os preços “livres” subiram 9,4% e os preços “administrados” (óleo, gás, energia, transportes, etc.) caíram 3,8%, em virtude das desonerações promovidas pelo governo. Neste ano, não há espaço para novas quedas. Pelo contrário, os preços administrados terão que subir pelo menos pela inflação média para manter o equilíbrio financeiro das empresas desses setores. A esperança de queda de inflação repousa sobre os preços livres, portanto, e estes tendem a cair (subir menos) só com a contração da demanda. É por isso que o Banco Central ainda não tem espaço para reduzir as taxas nominais, por mais que o governo o pressione.

Celso Luiz Martone - diretor da área de Economia da Abinee

Novembro de 2022 - Reviravoltas na política econômica


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Reviravoltas na política econômica

Mesmo antes da posse da nova administração federal, já se prenunciam mudanças fundamentais na política econômica que vigorou nos últimos seis anos. Vamos destacar aqui apenas três delas.

A primeira é a rejeição do “teto de gastos”, um preceito constitucional introduzido em 2016 para limitar a capacidade de gastar do governo federal e produzir, ao longo do tempo, uma redução no tamanho do estado em relação ao PIB. Deve-se notar que isso facilitaria a reforma tributária e produziria uma redução progressiva da própria carga tributária.

O novo governo pretende substituir o “teto de gastos” por algum mecanismo mais flexível no próximo ano. Enquanto isso não ocorre, propôs ao Congresso a chamada PEC “fura teto”, que amplia em 2% do PIB os gastos do governo no período 2023-26, coincidente com o seu mandato. Se aprovada pelo Congresso, mesmo que parcialmente, a nova PEC reverte os superávits primários, obtidos nos últimos dois anos, para novos déficits. O Gráfico 1 mostra que entre 2014 e 2020, o setor público incorreu em déficits sistemáticos, agravados pela pandemia em 2020, e revertidos nos dois últimos anos para superávits. O resultado disso foi o aumento continuado da relação dívida bruta/PIB, como mostra o Gráfico 2, também só revertido em 2021-22.

A PEC “fura teto” remove, na prática, a única âncora fiscal existente e relança o País numa trajetória arriscada de expansão de gastos, aumento da dívida pública e, eventualmente, aumento da carga tributária. Já para 2023, projeta-se um déficit primário de 1% do PIB, contra o superavit de 1,6% obtido neste ano, e um aumento da dívida pública para 81,5% do PIB, contra 75,5% neste ano.

Por outro lado, a existência de um Banco Central legalmente independente, com meta de inflação de 3,25% ao ano, implica que a política de controle monetário (altas taxas reais de juro) vai continuar por mais tempo do que se previa. Do ponto de vista macroeconômico, este “mix” de política (expansão fiscal e arrocho monetário) é o pior possível para o consumo privado, os investimentos e o próprio crescimento do País. Esse ambiente reacende as suspeitas dos agentes domésticos e internacionais de que o Brasil vai se tornar um lugar inseguro para os investimentos e mesmo para a aplicação de capitais de curto prazo. Sinais precoces disso já são visíveis na queda da bolsa de valores e no aumento da curva de juros.

A segunda mudança importante deve ocorrer nas políticas setoriais. Por exemplo, já se anunciou a intenção de mudar o marco legal do saneamento. Aparentemente, a ideia é restringir o investimento privado nessa importante área, devolvendo essa função para os governos estaduais e municipais, que foram inoperantes por décadas em sua maioria. Possivelmente outros marcos legais, aprovados nos últimos anos, também se tornarão alvos do novo governo. Isso revela um viés doutrinário contra o investimento privado, especialmente nos segmentos de infraestrutura. Na verdade, a intenção é a de bombardear o modelo de agências reguladoras autônomas, devolvendo o comando de cada área para seu ministério respectivo. A insegurança jurídica inerente a essa mudança, se vier a ocorrer, pode ser um importante fator de inibição de potenciais investidores nesses setores.

A terceira mudança deve ocorrer no atual programa de privatizações e concessões, também pelo viés doutrinário contra o capital privado. O primeiro alvo é abortar a privatização da ECT (Empresa de Correios e Telégrafos), que já está em fase avançada. O mesmo deve ocorrer com outras empresas públicas candidatas a irem a leilão. Ao mesmo tempo, modificou-se a chamada “lei das estatais”, reabrindo espaço para o retorno de interesses políticos no comando dessas empresas. A contradição aqui é a absoluta incapacidade de investimento do poder público, dado o inchaço de suas despesas correntes e programas de transferências de renda. Resta saber em que medida os compromissos de investimentos privados em áreas já concedidas pelo atual governo, avaliados em 900 bilhões de reais em 10 anos, irão se concretizar.


Celso Luiz Martone - diretor da área de Economia da Abinee

Outubro de 2022 - O desempenho da indústria em 2022


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O desempenho da indústria em 2022

No ano corrente, reproduziu-se o mesmo padrão de desempenho da indústria que tem se mantido por longos anos: taxas de crescimento setorial inferiores às taxas de crescimento do PIB. Com dados disponíveis até outubro, podemos projetar expansão da indústria de transformação de 1,5% no ano, contra aumento de 3% do PIB. Isso significa que a participação da indústria no valor adicionado da economia continua em queda.

O Gráfico 1 dá uma perspectiva de uma década para a produção industrial. Como se observa, a série manteve-se estacionária desde 2016, com oscilações anuais, mas sem tendência de crescimento. No mesmo período (de 2016 a 2022), o PIB expandiu-se 5,5%, um baixo crescimento, que se explica pelas crises de 2016 e de 2020.

Em 2022, o aumento de 1,3% do produto industrial até outubro foi desigualmente distribuído entre os quatro segmentos pesquisados pelo IBGE: bens de capital, bens intermediários, bens duráveis de consumo e bens não-duráveis de consumo. Os Gráficos 2, 3 e 4 abaixo mostram as taxas anuais de crescimento do produto industrial e dos segmentos de bens de capital e de bens duráveis de consumo nos últimos dez anos.

Em 2023, as expectativas são mais pessimistas, devido a três fatores principais. Em primeiro lugar, a mudança de governo no Brasil levará a uma nova (e ainda incerta) orientação da política econômica, o que provoca incertezas e conduta defensiva de consumidores e investidores. Em especial, existe apreensão sobre o equilíbrio financeiro do Governo Federal, dada a tendência do novo governo de aumentar substancialmente os gastos, como indica a proposta da PEC “fura-teto” em discussão no Congresso. Se a proposta for posta em prática, a única âncora fiscal hoje existente será removida e o navio pode ficar à deriva.

Em segundo lugar, o enfraquecimento esperado da economia mundial, por conta dos esforços para reduzir a inflação concomitantes à continuidade da guerra entre Rússia e Ucrânia, certamente contaminará o Brasil. É provável que a vigorosa expansão das exportações deste ano, que contribuiu para o aumento do PIB, não se mantenha ou mesmo reverta. Do lado financeiro, o aumento generalizado das taxas de juros no mundo desenvolvido encarece o crédito internacional, de que as empresas brasileiras muito dependem.

Em terceiro lugar, os efeitos negativos do forte aumento das taxas reais de juro sobre a demanda interna vão se intensificar ao longo do ano. Em face disso, as atuais previsões indicam um crescimento do PIB inferior a 1% no ano que vem. Se isso acontecer, é provável que a indústria tenha mais um ano de quase estagnação.


Celso Luiz Martone - diretor da área de Economia da Abinee

Setembro de 2022 - Perspectivas para a inflação em 2023


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Perspectivas para a inflação em 2023

Ao contrário da maioria dos países desenvolvidos, o Brasil avançou substancialmente na luta contra a inflação em 2022. Dois dos índices de preços mais importantes (o IPCA e o IGP-DI) devem fechar o ano com aumento em torno de 6%, contra 10,1% e 17,8% no ano anterior, respectivamente (Gráfico 1). Entretanto, a inflação ainda está longe de se aproximar da meta estabelecida pelo governo de 3,25% para 2023, o que significa que a fase de aperto monetário, iniciada em março do ano passado, ainda deve continuar por um longo tempo.

A queda da inflação, embora sempre bem-vinda, esconde um fenômeno preocupante para o futuro próximo. Quando separamos o IPCA entre preços “livres” (determinados nos mercados) e “preços administrados” (determinados pelo poder público), verificamos que os ganhos obtidos decorreram totalmente da queda (deflação) dos preços administrados. Em 2021, os livres subiram 7,7% e os administrados subiram 18,9%. Em 2022, os livres devem fechar o ano acima de 9%, enquanto os administrados devem ter deflação da ordem de 3,5%. O Gráfico 2 mostra as variações mensais dos dois tipos de preços desde 2018 até outubro de 2022 (em azul os administrados e em laranja os livres). Essa disparidade decorreu das medidas fiscais adotadas pelo governo e pelo Congresso (redução do ICMS e eliminação de impostos federais sobre combustíveis).

O problema é que essa desoneração fiscal, responsável pela queda da inflação, é um jogo de um tiro só: uma vez feita, não há como repeti-la. Além disso, dada a frágil situação fiscal do Governo Federal, conceder subsídios para “segurar” os preços administrados não é uma possibilidade. Pelo contrário, é provável que seja necessário elevar os preços administrados em 2023 para preservar a saúde financeira das empresas nas áreas de petróleo e gás, energia elétrica, telecomunicações e transporte. Portanto, a continuidade da queda da inflação dependerá totalmente do comportamento mais favorável dos preços livres.

Quatro fatores podem influenciar o comportamento dos preços livres: os preços internacionais de commodities; a taxa de câmbio; a taxa de juro e a política fiscal do governo. É esperada uma queda da ordem de 20-25% dos preços em dólares das commodities no próximo ano, consequente do menor crescimento das economias desenvolvidas e da própria China, o que ajuda a derrubar tanto os preços por atacado quanto ao consumidor.

A taxa de câmbio, que tem se mantido relativamente estável ao redor de R$5,20/USD nos últimos meses, é sempre uma incógnita. Como sabemos, no curto prazo ela é totalmente dominada pelos movimentos de capital, que por sua vez reagem ao estado de confiança dos agentes no governo e no futuro da economia. A mudança do governo Bolsonaro para o governo Lula deve inicialmente provocar incertezas e cautela até que o novo governo defina sua política econômica. Portanto, o câmbio pode atuar positiva ou negativamente em relação à inflação.

Os efeitos da elevada taxa real de juro sobre a demanda ainda estão agindo e devem contribuir para certo arrefecimento dos preços livres em 2023. Mas sempre devemos lembrar, do lado negativo, que isso ocorre concomitantemente com o esfriamento da economia e seu menor crescimento.

Finalmente, os rumos da política fiscal ainda são incertos. As promessas da campanha eleitoral excedem em muito o teto de gastos fixado no orçamento federal de 2023 e irão exigir a revogação do teto, o que é difícil por ele estar inserido na Constituição, ou uma nova PEC “emergencial” dando ao novo governo a liberdade para gastar. As consequências de uma política fiscal expansiva, neste momento, podem ser altamente negativas, tanto para as expectativas dos agentes quanto ao risco fiscal do País, quanto para a atividade econômica, pois forçarão o Banco Central a apertar ainda mais a política monetária. Como sabemos, a combinação “easy fiscal, tight money” é a pior possível para a economia.

Em resumo, a perspectiva da taxa de inflação para 2023 ainda é nebulosa. Neste momento, espera-se que seja possível obter pequena queda (para algo como 5%) em 2023 e convergência para a meta (3,25%) em 2024. Porém, esses números favoráveis ainda dependem do desenrolar dos fatores destacados na análise acima.


Celso Luiz Martone - diretor da área de Economia da Abinee

Agosto de 2022 - O balanço de pagamentos do Brasil em 2021-22


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O balanço de pagamentos do Brasil em 2021-22

O Quadro 1 abaixo mostra os principais itens do balanço de pagamentos do Brasil em 2021 e 2022 (com dados até setembro), com a tradicional divisão entre conta-corrente e conta de capital. Várias observações importantes podem ser feitas sobre os fluxos de recursos entre o país e o resto do mundo.

Em primeiro lugar, vale destacar o aumento extraordinário do comercio brasileiro no corrente ano. As exportações de mercadorias devem fechar o ano ao redor de US$ 340 bilhões (21,5% superiores às do ano anterior), ao passo que as importações devem totalizar US$ 285 bilhões (29,5% acima de 2021). Essas altas taxas derivam sobretudo do “boom” das commodities no mercado mundial, no caso das exportações, e da retomada da atividade econômica interna, no caso das importações. De fato, este é o primeiro ano normal após a pandemia de 2020-21. Considerando o PIB nacional de US$ 1,8 trilhão à taxa corrente de câmbio, o fluxo de comércio de mercadorias (exportações mais importações) atingirá a marca inédita de 34,7% do PIB em 2022.

O superavit comercial (projetado em US$ 55 bilhões) é mais do que compensado pela importação líquida de serviços e pelo envio de renda (lucros, dividendos e outras rendas) aos não-residentes, por conta de investimentos no país. Isso tradicionalmente produz um déficit em conta-corrente, que tem oscilado ao longo dos anos. Em 2022, espera-se um déficit em conta-corrente, também chamado de “poupança externa”, de US$ 45 bilhões (2,5% do PIB).

Esse déficit não significa que o balanço de pagamentos do Brasil tornou-se vulnerável. De fato, em condições normais, a vulnerabilidade externa é medida pelo déficit em conta-corrente menos a entrada líquida de capital de longo prazo (investimento direto estrangeiro (IDE) menos investimento direto brasileiro no exterior). No corrente ano até setembro, o IDE atingiu US$ 70,7 bilhões (52% acima de todo o ano passado), contra US$ 19 bilhões de investimento direto brasileiro no exterior, o que deixa uma margem superior a US$ 50 bilhões, contra um déficit em conta-corrente de US$ 30,8 bilhões. Ou seja, a necessidade de financiamento externo do Brasil é hoje negativa.

Finalmente, vale destacar que as reservas brasileiras em moedas fortes têm caído moderadamente nos últimos doze meses, situando-se hoje ao redor de US$ 330 bilhões, um volume suficiente para enfrentar eventuais crises de liquidez que possam surgir na economia mundial (Gráfico 1).


Celso Luiz Martone - diretor da área de Economia da Abinee

Julho de 2022 - As previsões pessimistas para 2023 se justificam?


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As previsões pessimistas para 2023 se justificam?

Neste ano, as previsões sobre o desempenho da economia, publicadas no boletim Focus do Banco Central, foram completamente erradas. No início do ano, falava-se de mais um ano perdido, com crescimento da ordem de 0,5% e inflação na casa de 9%. Com o passar dos meses, os analistas consultados pelo Banco Central saíram “correndo atrás” da realidade. Hoje, admitem crescimento da ordem de 2-2,5% e taxa de inflação abaixo de 7%. As apostas agora são de um novo “ano perdido” em 2023, com crescimento nulo e inflação renitente ao redor de 5%. Há razões sólidas para esse pessimismo com a economia do país?

Vejamos primeiro o lado positivo:

(a) A forte redução da taxa de desemprego (hoje ao redor de 9%), conjugada com a queda da taxa de inflação, leva ao aumento real da massa de rendimento da população ocupada, o que se traduz em maior poder de consumo. Isso não recompõe a renda real de antes da pandemia, mas a aumenta significativamente na margem.

(b) O pacote de “bondades” aprovado pelo Congresso vai injetar algo em torno de 13-14 bilhões de reais por mês na economia, grande parte dos quais vão para o consumo das famílias. O governo vem trabalhando para estender o Auxílio Brasil de 600 reais também no ano que vem, cobrindo os custos com receitas extraordinárias (lucros das estatais, privatizações e novas concessões), como foi feito neste segundo semestre.

(c) As concessões de infraestrutura já realizadas garantem um fluxo de investimentos privados da ordem de 800 bilhões nos próximos 10 anos, alavancando a taxa bruta de investimento para cima de 20% do PIB pela primeira vez em mais de uma década.

(d) Os investimentos diretos estrangeiros no país, que haviam caído fortemente nos anos recentes, devem recuperar-se para US$ 65 bilhões no ano corrente (aumento de 40% sobre 2021).

(e) As exportações devem crescer 18% em dólares neste ano, gerando um importante efeito multiplicador sobre a renda interna.

(f) A situação fiscal está sob controle, a despeito das “bondades”. Em 2021, o setor público alcançou o primeiro superavit primário desde 2014. Neste ano, o superavit primário deve ser superior a 1% do PIB e a dívida pública ficará estável em 80% do PIB.

(g) A mais recente projeção do FMI estima que os preços médios das commodities devem cair ao redor de 20% em dólares em 2023, contra um aumento de 50% neste ano. Isso alivia a pressão inflacionária e pode produzir taxa de inflação abaixo dos 5% no Brasil.

Do lado negativo, podemos destacar:

(a) O cenário internacional, conturbado pelo choque de preços de commodities e pelas incertezas da guerra no leste europeu, aumenta a aversão ao risco dos agentes e produz maior volatilidade nos preços dos ativos. Isso leva a uma posição defensiva, que afeta não só os investimentos, mas também o consumo nos países mais atingidos.

(b) O aumento generalizado das taxas de juro ao redor do mundo para combater a inflação também tende a reduzir consumo e investimento em geral. Neste momento, há o temor de uma recessão global. Embora tal recessão não deva ocorrer, é certo que as taxas de crescimento dos EUA e Europa serão bem menores do que as deste ano.

(c) No Brasil, a transição de uma taxa real de juro negativa de 3% ao ano no inicio de 2021 para uma taxa positiva da ordem de 5-6% ao ano neste momento tem impacto negativo de primeira ordem sobre a demanda interna. Embora o Banco Central deva começar a reduzir a taxa básica, o efeito negativo tende a se prolongar para o primeiro semestre de 2023.

(d) Os problemas persistentes no suprimento de vários insumos industriais importantes limitam a capacidade de produção da indústria e pressionam os custos e preços para cima, como parece ser o caso do setor eletroeletrônico desde 2021.

(e) Finalmente, existe a incerteza eleitoral. Parece claro que estamos diante de dois projetos opostos de políticas públicas para o Brasil nos próximos quatro anos. De um lado há o atual projeto, de cunho liberal, centrado no controle do tamanho do setor público, nas reformas estruturantes e na liberdade e abertura dos mercados. De outro lado há o projeto intervencionista, baseado no aumento do setor público, no uso dos bancos federais e das empresas estatais para fazer política econômica, na redistribuição de renda por decreto e nos controles de mercado.

O balanço desses fatores positivos e negativos não é fácil de ser feito. O argumento de que o Brasil está “descolado” da economia mundial e, portanto, poderá manter uma taxa de crescimento moderada nos próximos anos (digamos, ao redor dos 3% ao ano), a despeito das vicissitudes da economia mundial, faz sentido se houver continuidade das diretrizes de política econômica iniciadas ainda em 2016 com o governo Temer e aprofundadas pelo governo Bolsonaro. Qualquer que seja o grupo político que vença as eleições, é fundamental que reconheça que a economia está no caminho do crescimento sustentado. Uma mudança de curso em 2023 seria temerária e poderia ter um alto custo para o país.


Celso Luiz Martone - diretor da área de Economia da Abinee

Junho de 2022 - A reversão da taxa de inflação


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A reversão da taxa de inflação

Os analistas da economia, consultados pelo Banco Central no boletim semanal Focus, nunca erraram tanto quanto ao longo deste ano. De um lado, previram que este seria mais um ano perdido, com quase nenhuma expansão do PIB. Agora projetam crescimento de 2%. Para 2023, as previsões apontam para crescimento da ordem de 0,5% e provavelmente também venham a subestimar a realidade. O que a maioria dos analistas tem negligenciado nas suas previsões são as transformações estruturais introduzidas nos últimos anos pelo Governo Federal, sobretudo as chamadas “reformas microeconômicas”, que melhoraram a alocação de recursos na economia e aumentaram a produtividade. Entre essas reformas estão os novos marcos regulatórios (gás, saneamento básico, cabotagem, ferrovias e rodovias, etc.), as concessões de serviços públicos, privatizações e desburocratização, assim como a redução de vários impostos.

De outro lado, até o mês de junho, os informantes do Focus previam taxa de inflação (IPCA) da ordem de 9%. Agora projetam inflação de 7,5%, como mostra o Gráfico 1. Essa constatação indica que os modelos utilizados nessas projeções sofrem de deficiências graves quando confrontados com o mundo real e são, portanto, muito pouco confiáveis. Talvez uma observação mais atenta da realidade econômica do País tivesse levado a previsões mais acuradas do que as indicadas por tais modelos.

Quanto à inflação, é provável que o pior já tenha passado. De acordo com o FMI, é esperada uma queda da ordem de 12% nos preços das commodities em 2023, contra aumentos de 60% e 50% em 2021 e 2022, respectivamente. Se isso ocorrer, haverá uma reversão geral nas taxas de inflação em todo o mundo. No caso do Brasil, essa reversão já vem ocorrendo, como mostra o Gráfico 2. No pico, tanto o IGP-DI quanto o IPP, que mede os preços ao produtor industrial, subiram acima de 35% em 12 meses. No momento, continuam subindo 15% (IPP) e 9% (IGP), mas a reversão tem sido rápida e intensa. Essa tendência de queda das taxas deve prosseguir no segundo semestre e no próximo ano, criando condições para taxas de inflação ao consumidor bem menores, talvez ao redor dos 5% ao ano.

É importante destacar que a queda da inflação ao consumidor dos 10% do ano passado para os 7,5% esperados para este ano se deve, em grande parte, aos chamados “preços administrados”. De fato, espera-se que esses preços tenham uma deflação ao redor de 1% em 2022, contra aumento da ordem de 9% dos “preços livres”. Essa deflação se deve ao corte de impostos sobre combustíveis, transportes, energia e comunicações aprovados pelo Congresso Nacional recentemente, bem como a certo represamento de outros preços públicos em ano eleitoral.

Neste cenário, parece claro que o Banco Central do Brasil se equivocou duplamente nos últimos dois anos. Primeiro, levou a taxa básica para 2% ao ano até início de 2021, quando a taxa de inflação já era de 5% e subindo (juro real negativo de quase 3%). Segundo, subiu a taxa básica para 13,75%, quando a taxa de inflação caminha para 7,5% neste ano e provavelmente para 5% em 2023 (juro real positivo superior a 6%). Isso coloca o Brasil na liderança de juros reais em todo o mundo. Resta saber quando e quanto o BC começará a afrouxar sua política monetária. No cenário provável descrito aqui, quanto mais cedo melhor.


Celso Luiz Martone - diretor da área de Economia da Abinee

Maio de 2022 - A expansão do comércio exterior brasileiro


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A expansão do comércio exterior brasileiro e seus efeitos reais

Projeções recentes da OCDE indicam que a taxa de crescimento do valor real do comércio mundial deverá se reduzir nos próximos anos. Em 2021, o aumento foi de 10%, devendo passar para 4,9% neste ano e 3,9% em 2023. De um lado, essas quedas refletem a menor taxa de crescimento da economia mundial esperada para este e o próximo ano. Segundo a mesma fonte, a expansão mundial foi de 5,8% no ano passado (recuperação pós-pandemia), devendo se reduzir para 3% neste ano e 2,8% no ano que vem. De outro lado, elas também refletem a desorganização das cadeias produtivas mundiais provocada pela pandemia e pela guerra entre Rússia e Ucrânia.

Em comparação com os dados mundiais, a expansão do comércio exterior brasileiro tem sido substancial. As exportações cresceram (em dólares correntes) 34,7% em 2021 e 49,2% em 2022 (até junho), ao passo que as importações se expandiram 37,7% e 30,6% respectivamente. Entretanto, quando examinamos o comportamento dos preços e do quantum do comércio, a história é bem diferente, como mostram os gráficos abaixo. No Gráfico 1, observamos que o quantum de exportações, uma medida aproximada do volume exportado, permaneceu praticamente constante ao longo dos anos recentes, com oscilações para cima e para baixo. Do lado das importações, o mesmo padrão se manteve, com um crescimento apenas nos últimos seis meses. No Gráfico 2, vemos que a expansão do comércio brasileiro se deveu totalmente ao aumento dos preços tanto de exportações quanto de importações. Isso tem a ver com o aumento generalizado dos indicadores de inflação no mundo todo.

Uma maneira de medir se o país ganhou ou perdeu renda real em suas relações comerciais nesse período é verificar os termos de troca, ou seja, a razão entre preços de exportações e de importações. Como mostra o Gráfico 3, o Brasil sofreu uma perda da ordem de 12% nos seus termos de comércio, ou seja, o preço médio do que exportamos caiu nessa proporção em relação ao preço médio dos que importamos nos últimos 12 meses. Isto representa um efeito-renda negativo sobre o desempenho do PIB nesse período. Ou seja, o crescimento do PIB em 2022 poderia ser maior do que os projetados 1,5-2,0% caso essas perdas não tivessem ocorrido.

A conclusão parece clara. De um lado, “importamos” uma inflação significativa do resto do mundo, resultante da pandemia e da guerra, o que representa um custo social que estamos pagando neste momento. De outro lado, tivemos uma perda líquida importante de renda real nas nossas relações com o exterior. Isso mostra como os valores nominais, por mais expressivos que sejam, podem esconder uma realidade desfavorável.


Celso Luiz Martone - diretor da área de Economia da Abinee

Abril de 2022 - Maior crescimento com maior inflação


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Maior crescimento com maior inflação

Os dados mais recentes têm levado a previsões mais otimistas em relação ao PIB e mais pessimistas em relação à inflação, quando comparadas ao início do ano. Nos últimos seis meses terminados em março, o PIB cresceu a uma taxa anual de 1,7%, como mostra o Gráfico 1 abaixo. Ao mesmo tempo, a taxa de inflação ao consumidor dobrou para 12% ao ano no mesmo período (Gráfico 2). Nesta Carta, vamos examinar os fatores internos e externos que podem influir nesses resultados ao longo do restante do ano.

O primeiro fator a considerar é o choque de oferta na economia mundial, inicialmente produzido pela pandemia e, a partir de fevereiro, pela guerra entre Rússia e Ucrânia. A escassez e o aumento de preços de matérias-primas e insumos de produção têm levado à elevação da taxa de inflação e à redução do crescimento econômico em todo o mundo. As estimativas mais recentes indicam que a economia mundial deve expandir-se 2,5%, ao invés dos 3,7% previstos antes da guerra. A explosão dos preços da energia (sobretudo petróleo e gás) e de commodities vitais como o trigo tem levado a taxa de inflação mais do que dobrar na maioria dos países. Obviamente, o Brasil “importa” essas turbulências, o que reduz sua capacidade de crescimento e gera maior inflação interna.

Por outro lado, em resposta ao aumento da inflação, os bancos centrais tem elevado suas taxas de juro. Especialmente relevante aqui é o anúncio do Fed de que pretende aumentar sua taxa em 0,5 pontos percentuais nas próximas reuniões. Isso torna os títulos norte-americanos mais atrativos, aprecia o dólar e deprecia as demais moedas. O aumento do juro deve levar à desaceleração da atividade econômica ao longo do ano. Esse fator também reduz a capacidade de expansão do Brasil neste ano.

Portanto, o ambiente internacional tornou-se hostil e assim pode continuar se o conflito euroasiático perdurar ou mesmo se agravar, como tudo indica. E o ambiente interno, como pode ser analisado? Aqui, há fatores positivos e negativos. Do lado positivo, devemos destacar a forte expansão do setor de serviços neste ano, o que tem levado a uma queda significativa da taxa de desemprego, que deve fechar o ano abaixo de 10%, ainda que a renda real das famílias continue caindo por conta da alta inflação.

Ainda do lado positivo, estima-se que o setor público consolidado tenha novamente superavit primário superior a 1% do PIB neste ano, a despeito das pressões por aumentos de gastos em todos os níveis, especialmente em ano eleitoral. Devemos lembrar que o Brasil vinha tendo déficits primários continuados desde 2015 e só reverteu para um pequeno superavit em 2021. Isso indica que o processo de consolidação fiscal iniciado no atual governo continua, ainda que a passos lentos, e que a relação dívida/PIB pode se estabilizar nos próximos anos.

Do lado negativo, o “overshooting” da taxa de juro promovido pelo Banco Central nos meses recentes representa o maior freio da demanda agregada neste e talvez no próximo ano. De fato, parece ter havido um duplo erro de avaliação das autoridades monetárias ao partir de uma taxa baixa demais (2% ao ano) no primeiro trimestre de 2021 para atingir uma taxa alta demais um ano depois (12,75%). Considerando a previsão de inflação de 9% para este ano, a taxa básica de juro, em termos reais, já está em 3,4%, quando todo o mundo convive com taxas reais negativas. Nenhum banco central do mundo, defrontado com o mesmo problema de inflação de custos, tem apertado a política monetária dessa maneira.

Um balanço realista desses vários fatores sugere que existe espaço para um crescimento ao redor de 1,5%. A própria indústria, que tem sido o setor menos dinâmico da economia, pode crescer em torno de 1% neste ano. Dadas as circunstâncias internacionais adversas, este pode ser considerado um resultado positivo.


Celso Luiz Martone - diretor da área de Economia da Abinee

Março de 2022 - As variações recentes da taxa de câmbio


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As variações recentes da taxa de câmbio

É possível identificar três movimentos distintos da taxa de câmbio brasileira nos últimos anos, conforme mostra o Gráfico 1. O primeiro movimento ocorreu entre 2018 e início de 2020, com uma leve tendência de desvalorização do real, que sai de pouco mais de R$ 3,2/US$ e ultrapassa os R$ 4 no final de 2019. O segundo movimento, mais acentuado, aconteceu a partir do início da pandemia, quando a taxa sobe rapidamente para algo em torno de R$ 5,4 e mantem-se oscilante em torno desse valor. O terceiro movimento é mais recente e caracteriza uma valorização do real a partir de janeiro de 2022, com o retorno da taxa para baixo de R$ 5.

Para o período como um todo, tem havido uma direção de desvalorização, como mostra a linha de tendência do gráfico. Essa tendência não deve ser extrapolada, pois há vários fatores que podem alterá-la para cima ou para baixo no futuro próximo.

Esses movimentos podem ser parcialmente explicados pela ação de dois fatores principais: o comportamento do dólar em relação a uma cesta ampla de moedas (taxa efetiva de câmbio do dólar) e o diferencial de juro entre o Brasil e o resto do mundo. Quando o dólar valoriza, o real tende a desvalorizar e vice-versa. Quando o diferencial de juro é favorável ao Brasil, entra capital e a taxa de câmbio aprecia. Vejamos cada um deles.

O Gráfico 2 apresenta a taxa efetiva de câmbio do dólar, apurada pelo Federal Reserve, com base em ampla cesta de moedas. Novamente aqui, observamos tres movimentos distintos. O primeiro é de valorização do dólar a partir de 2018, com nítida aceleração nos primeiros meses da pandemia (fevereiro-abril de 2020). O segundo é de desvalorização acentuada a partir daí, até meados de 2021 e o terceiro é de valorização moderada a partir de então até hoje. Pelo menos dois fatores estão associados a esses movimentos. De um lado, deve-se lembrar o fenômeno conhecido como flight to quality: toda vez que aumenta a incerteza (e a percepção de risco) na economia mundial, por qualquer motivo, ocorre um aumento na procura por dólar (títulos norte-americanos) como uma salvaguarda contra eventos adversos nos demais mercados.

No período observado, a incerteza aumentou por dois fatos. A pandemia atingiu primeiramente a China e a Europa, para logo depois propagar-se para o resto do mundo. Naquele momento, houve fuga de capitais para os EUA e forte valorização do dólar. Mais recentemente, o início da guerra entre Rússia e Ucrânia em fevereiro de 2022 novamente produziu incertezas, especialmente na Europa, favorecendo nova valorização do dólar.

De outro lado, nos meses mais recentes ficou claro que o Fed, depois de medidas paliativas (redução dos estímulos monetários mensais), iria finalmente iniciar uma fase de aumentos da taxa básica de juro para controlar a elevada taxa de inflação, o que torna os títulos norte-americanos relativamente mais rentáveis aos investidores e atrai capitais para os EUA. Os mercados financeiros já vinham ajustando a curva de juros mesmo antes da ação do Fed. Nos últimos seis meses, a taxa sobre o T-bond de 10 anos, por exemplo, aumentou 1,5 ponto percentual para 2,75% em abril, contra a meta da Fed funds, de apenas 0,5%. Ou seja, a yield curve (curva da taxa de juros) tornou-se bastante inclinada para cima em antecipação à ação do Fed.

Voltando ao Brasil, deve-se destacar o papel do diferencial de juro como indutor dos fluxos de capitais de curto prazo. De um lado, o Banco Central tem realizado agressivos aumentos do juro básico e ainda anunciado que o processo de alta vai continuar nos próximos meses. De outro lado, os bancos centrais dos EUA e Europa têm sido bem mais reticentes em apertar suas políticas monetárias. Isso tem criado um crescente diferencial de juro a favor do Brasil e induzido a entrada de capital especulativo, com a consequente valorização do real nos últimos meses. Como essa situação deve persistir ao longo deste ano, é provável que a taxa de câmbio brasileira permaneça em torno do patamar atual (abaixo do ano passado).

Para finalizar, deve-se reconhecer que existem fatores não econômicos que afetam a formação de expectativas dos agentes, como o atual conflito institucional entre os três poderes da República e as eleições gerais de outubro próximo. Na medida em que o ano avança, esses fatores podem crescer de importância e conduzir a cotação de nossa moeda para cima ou para baixo, gerando maior volatilidade nos mercados financeiros. Entretanto, os fatores fundamentais para a determinação da taxa de câmbio continuam sendo a variação do dólar nos mercados globais e o diferencial de juro entre o Brasil e o resto do mundo.


Celso Luiz Martone - diretor da área de Economia da Abinee

Fevereiro de 2022 - Os efeitos da guerra na economia brasileira


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Os efeitos da guerra na economia brasileira

A guerra entre Rússia e Ucrânia já vem produzindo efeitos negativos de grande magnitude na economia global. Os cenários benignos desenhados no final do ano passado pelo FMI e pela OECD, tanto em crescimento do PIB mundial quanto da queda da inflação, foram rapidamente superados. Mesmo que a guerra termine em curto prazo, o que não parece provável, esses efeitos se propagarão ao longo do ano, o que faz antever um desempenho econômico aquém do que se havia projetado. O primeiro impacto da guerra foi a disparada nos preços das commodities em geral. Como mostra o Gráfico 1, o índice CRB spot, que é uma média ponderada de preços em dólares de todas as commodities, subiu nada menos do que 20% no primeiro mês da guerra. Os Gráficos 2 e 3 mostram a subida dos preços do petróleo, da soja e do trigo. O fato é que o temor do desabastecimento faz com que todos desejem ampliar seus estoques, o que leva ao aumento dos preços.

O segundo impacto, ainda em seu início, refere-se às sanções econômicas impostas sobre a Rússia pela Europa e EUA, com o objetivo de estrangular a economia russa, o que provavelmente deve ocorrer. O objetivo é fazer com que, em face de queda recorde de renda real e disparada da inflação, as lideranças russas revejam sua estratégia agressiva. Mas as sanções também possuem um efeito de feedback sobre os países que as impõem, dada a interdependência do comércio entre os países. Isso é claro no caso do petróleo e gás, especialmente na Europa, que depende de importações da Rússia.

No caso do Brasil, os efeitos mais visíveis da guerra ocorrem em três frentes. Primeiro, a elevação dos preços de commodities tende a tornar mais resistente a taxa de inflação. A expectativa de que seria possível reduzir a inflação dos 10,1% em 2021 para cerca da metade disso neste ano tornou-se irrealista. No momento, as projeções já estão na faixa dos 6,5% e tendem a aumentar, mesmo com a agressiva política de juro do Banco Central. Como sabemos, a eficácia do aperto monetário em face de uma inflação de custos é limitada, o que amplifica seu efeito negativo sobre a atividade econômica em geral. O efeito benéfico, se assim se pode chamar, é a manutenção de um enorme diferencial de juro entre o Brasil e os principais mercados e a atracão de capitais de curto prazo, com a consequente apreciação do real e a atenuação do impacto inflacionário vindo do exterior.

Segundo, podemos ter problemas de abastecimento de insumos importados ao longo do ano, além daqueles que decorreram da pandemia, como se tem destacado no caso de fertilizantes, semicondutores e outras matérias-primas industriais. O efeito disso é constranger a oferta doméstica e reduzir o espaço para o crescimento da economia. De fato, no momento a previsão para o PIB deste ano é de quase estabilidade, especialmente na indústria, talvez o setor mais afetado, já que o setor agropecuário tende a se beneficiar de preços internacionais mais elevados. Os indicadores do mês de janeiro, portanto antes da guerra, já foram bastante decepcionantes.

Terceiro, a estagnação da economia e as pressões por subsídios temporários sobre os bens mais afetados (petróleo e derivados, por exemplo) criam novas incertezas sobre o curso da política fiscal, especialmente em ano eleitoral. Apesar da garantia dada pelas autoridades federais de que o programa de consolidação fiscal não será afetado, temem-se novos déficits primários e nova expansão da já elevada proporção entre a dívida pública e o PIB.

Em resumo, o cenário relativamente favorável que se tinha para o desempenho brasileiro em 2022, com a volta à normalidade econômica pós-pandemia, foi abalado com as incertezas produzidas pela guerra em curso. O melhor cenário seria o fim rápido da guerra e a normalização dos mercados, porém não há neste momento indicações de que isso venha a ocorrer.


Celso Luiz Martone - diretor da área de Economia da Abinee

Janeiro de 2022 - Bons resultados fiscais em 2021


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Bons resultados fiscais em 2021

Pela primeira vez em sete anos, o setor público consolidado teve um pequeno superavit primário, assim como o menor déficit nominal, como vemos no Gráfico 1. É claro que o crescimento estimado em torno de 4,5% do PIB no ano passado, depois de anos seguidos de quase estagnação (e da recessão de 2020), ajudou a derrubar os números em proporção do PIB. Mesmo assim, o resultado foi bem mais favorável do que as projeções indicavam para o ano. No caso do Governo Central (Tesouro, Banco Central e Previdência Social), a receita líquida subiu 31%, ao passo que a despesa caiu 17%. Esses percentuais exagerados em relação ao ano anterior se explicam pelo efeito das medidas adotadas durante a pandemia e não irão se repetir no corrente ano.

Da mesma maneira, a relação entre a dívida bruta e o PIB caiu mais de 8 pontos percentuais, contra a previsão do início do ano de que atingiria a casa dos 90% (vide Gráfico 2). Aqui também o crescimento do PIB e as taxas de juro reais negativas praticadas pelo Banco Central, que reduziu o serviço da dívida, favoreceram a queda. É claro que uma dívida bruta de 80% ainda é alta demais para um país emergente, com elevada instabilidade macroeconômica, como tem sido o Brasil, principalmente se considerarmos que, sem as reformas fiscais paradas no Congresso, provavelmente ela continuará subindo nos próximos anos.

O baixo desempenho da indústria

Em cartas anteriores, já destacamos o fato de o desempenho do setor industrial ter ficado bem abaixo da economia como um todo. Se tomarmos o período acumulado de 2013-2021 (8 anos), o PIB brasileiro caiu 1,8%, ao passo que o produto da indústria de transformação caiu 16%. A participação da indústria no PIB, portanto, continua sua trajetória de queda, iniciada na segunda metade dos anos 80. O Gráfico 3 mostra o IBC-Br e o produto industrial numa base mensal, onde as linhas tracejadas indicam as tendências das duas séries.

Em 2021, para um crescimento esperado do PIB da ordem de 4,4% (ainda não divulgado), a indústria cresceu 4,3%. Por setores de atividade, os bens de capital expandiram 28,3%, os bens intermediários 3,3%, os bens duráveis caíram 1,8% e os não duráveis ficaram estáveis. O crescimento elevado do setor de bens de capital decorre da expansão de 18% dos investimentos no ano passado. A indústria elétrica e eletrônica teve um desempenho bastante modesto em 2021, com crescimento de 1,4%. Esses números mostram que, a despeito da recuperação pós-pandemia, a demanda final dos consumidores continua quase estagnada, devido à corrosão inflacionária das rendas reais e à elevada taxa de desemprego, além da forte elevação do custo do crédito.

O cenário de baixo crescimento não deverá se alterar em 2022. O setor industrial deverá ter incremento da ordem de 1%, em linha com o crescimento esperado para o PIB. É possível que, com a queda esperada da inflação dos atuais 10% ao ano para 5,5%, haja uma recuperação parcial da renda real ao longo do ano, o que favorece o consumo. De outro lado, é provável que os investimentos continuem se recuperando. Esses fatores mais favoráveis podem gerar uma expansão maior no segundo semestre.


Celso Luiz Martone - diretor da área de Economia da Abinee

 

Análise de Conjuntura 2018


Informações Adicionais

Cristina Keller

Assessora de Economia

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